quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Tudo outra vez, se preciso fosse

Neste momento, a Gestão AmpliaçõeSS do CRESS-SP vive um momento ímpar ao compor a Comissão organizadora do Seminário “Começaria Tudo Outra vez, se Preciso Fosse” em comemoração aos 30 anos do Congresso da Virada. Há, em primeiro lugar, uma grande satisfação em reafirmar o encaminhamento dado à profissão e que, para grande parte que não viveu aquele momento histórico, foi definitivo para a escolha do Serviço Social.

É uma grande e honrosa responsabilidade. Hoje o momento histórico é muito diferente daquele vivido em 1979. O III CBAS foi realizado em meio aos resultados do estouro de uma crise econômica mundial, uma primeira sinalização do futuro de seguidas crises que demonstram apenas o que profissionais iriam captar: é preciso superar esta sociedade.

Mas à época, o Brasil vivia um ascenso das lutas dos trabalhadores talvez único na história do país. O combate à ditadura militar, à censura e ao autoritarismo criaram certa unidade entre as parcelas críticas que proporcionou uma Virada no sentido da democracia e vitórias para a classe trabalhadora.

O que parecia plausível na ditadura, e era legítimo, hoje é considerado coisa de extremistas. A questão, porém, é que o processo de democratização do país foi interrompida e vivemos o que bem elaborou Elaine Behring nas reflexões sobre “o Brasil em contra-reforma”. Durante o I Encontro Estadual Sócio-Jurídico de São Paulo, Hélio Bicudo declarou: “No Brasil, vivemos em uma democracia formal, mas não em um Estado de Direitos de fato”. A governabilidade tornou-se o objetivo a ser atingido a qualquer custo, impedindo o avanço por meio do enfrentamento para superar as contradições, que propiciaria maior clareza para a classe trabalhadora se engajar. A crença na institucionalidade, estimulada pela derrota dos setores que defendiam a ditadura militar, criou raízes.

Este quadro é agravado quando no cenário internacional (e nacional) impera a crença no neoliberalismo e na absolutamente utópica possibilidade de auto- regulação do mercado, de sua eficiência, e de um capital mais humanizado. Esta situação, porém, é posta a prova quando, contraditoriamente, face a mais uma crise econômica, o capital recorre ao Estado como salvador para socializar as perdas sem, no entanto, admitir a possibilidade de socializar os lucros.

O capital não garante a própria reprodução da força de trabalho que o mantém, e são desenvolvidas políticas sociais para manter apenas o que é útil aos interesses do mundo empresarial. O sucateamento do ensino público nos níveis fundamental e médio vêm se expressar fortemente nos cursos de graduação.

Neste momento de necessidade de manter fontes de lucratividade, o capital avança em direção às políticas sociais e, um dos resultados é o fato de todo o sistema de saúde do Estado de São Paulo poder ser terceirizado, conforme projeto de lei aprovado na Assembléia Legislativa no dia 02 de setembro, que permite que as organizações sociais passem a atuar em serviços de saúde já existentes com um agravante: autoriza esses hospitais a atenderem, num limite de 25% dos atendimentos, pacientes particulares e de planos de saúde, mediante cobrança. Assim, o orçamento da Saúde Estadual destinado às OSs cresce vertiginosamente, sem passar por licitações, sem a devida transparência na prestação de contas, sem controle social, sem garantia de um princípio fundamental: a universalidade no atendimento.

Uma das maiores vitórias expressas na construção democrática da Constituição, que é o SUS, numa votação com apenas 17 parlamentares ao lado da população, tem grande risco de ser violado. Conforme análise de Sara Granemann, avança a financeirização das políticas públicas, alimentando o mercado que neste momento vê que a mão invisível pode contar com o Estado. E, no Estado de São Paulo, também foram aprovados os cursos da Universidade Aberta nas Universidades Públicas Estaduais, novamente numa falsa resposta a legítima demanda da classe trabalhadora.

Neste contexto, o recente acordo Brasil-Vaticano - detalhado nesta edição do Jornal Ação que traz um especial sobre a importância do Estado Laico para a garantia de direitos – é um exemplo de avanço das forças conservadoras, um retrocesso. É o avanço do conservadorismo, que como disse Marlise Silva, ex-presidente do CFESS e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante comemoração dos 30 anos da revista Serviço Social e Sociedade, da Editora Cortez: “Embora inegáveis os avanços, os desafios se reatualizam”.

O conservadorismo também se esconde no que parece moderno, atual, novo tal como a retórica pós-moderna e práticas que culpabilizam as famílias e os pobres deste país, bem como reafirma o sistema como perfeito, no qual o antigo “ajustamento” do comportamento dos indivíduos aparece como uma pauta importante para que a intervenção do assistente social seja ampliada.

Nosso projeto ético-político tem claro posicionamento pela autonomia dos sujeitos. Nesse sentido, é preciso refirmar a direção impressa pela categoria no III CBAS e que ainda se mantém hegemônica a despeito das tentativas de alterá-la: o compromisso com a classe trabalhadora e com a emancipação dos homens no sentido da construção de outra sociedade.

Marlise Vinagre sintetiza o pensamento crítico que coloca que nosso desafio é descobrir como chegar na ponta e envolver todos para lutar neste contexto e discutir como manter acesa a chama dos princípios simbolizados na virada de 1979. A gestão AmpliAçõeSS reafirma sua plataforma eleita pela categoria e apoiada pelos movimento sociais de luta: a aliança se estabelece em torno de princípios e de ações coerentes com a luta dos trabalhadores, na defesa da política pública e da democracia como socialização do poder político e da riqueza. Seremos protagonistas na organização do Seminário Nacional que comemora os 30 anos do Congresso da Virada, mas com a certeza de que muitas ações hoje são possíveis pela luta de muitas gerações, pela ação de coletivos e companheiros/as que tombaram, o que não foi em vão. Essa luta é nossa, com muito orgulho.

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